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sábado, 16 de janeiro de 2016


FRANCISCO DE SALES MEIRA E SÁ 

José Augusto Bezerra de Medeiros 

Durante a vigência da chamada Primeira República, o Rio Grande do Norte sempre foi representado no Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados), por figuras exponenciais: consagrados juristas uns, como Amaro Cavalcanti; historiadores outros, como Tobias Monteiro e Tavares de Lyra; oradores fulgurantes, como Almino Afonso e Junqueira Ayres; grandes conhecedores dos seus problemas econômicos, como Eloy de Souza e Juvenal Lamartine; chefes políticos regionais de prestígio excepcional, como Pedro Velho, José Bernardo, Francisco Gurgel.
Meira e Sá (Francisco de Sales Meira e Sá), passou fugazmente pelo Senado Federal, tendo exercido o seu mandato por quatro anos apenas, - 1907 a 1910 -, e renunciou espontaneamente a cadeira que lhe conferira o Rio Grande do Norte para retornar à magistratura, onde se sentia como que na sua própria casa, tão identificado viveu sempre com o estudo dos problemas jurídicos, na explanação dos quais revelou-se realmente um mestre de vasto saber.
Pertencia, pois, ao melhor dos títulos, à categoria dos juristas consagrados, a que me referi de início, citando Amaro Cavalcanti.
Não era filho do Estado em que sempre viveu e a que tanto e tão eficientemente serviu. Nasceu na cidade de Souza, na então Província da Paraíba em 1856, mas já em 1863, aos sete anos de idade, veio para o Rio Grande do Norte, cuja Presidência seu ilustre progenitor, Dr. Olinto Meira, ocuparia com proveito para o bem público, por três anos a fio. Suas origens familiares estavam entre as do melhor padrão no nordeste. Vinha ele dos Meira de Vasconcelos, (lado paterno), e dos Correia de Sá, (lado materno). Seu pai, Dr. Olinto Meira, muito se afeiçoou ao Rio Grande do Norte, e, enviuvando, casou-se em segundas núpcias com uma moça da família Ribeiro Dantas, fixando-se definitivamente na Província que tão eficientemente sonhara governar, seu filho mais velho, Francisco, fez em Natal todo o curso primário, tendo sido enviado por seu pai para Capital Pernambucana, Recife, em um de cujos melhores colégios da época, o São Bernardo, fez com brilho todo o curso de humanidades, ou curso de preparatórios, como naquele tempo se dizia.
Concluindo este, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, na qual, revelando-se aluno excelente por sua inteligência e amor aos estudos, bacharelou-se em 1878, aos 22 anos de idade.
Retornou, então, à Província Norte-rio-grandense, onde residia seu pai, e à qual iria servir por mais de quatro decênios com o seu acendrado espírito público e com a sua vasta cultura.
Conheci muito de perto Meira e Sá. Com ele convivi por mais de 20 anos. Nunca encontrei um ser humano mais perfeito do ponto de vista moral. Sua vida no lar e na sociedade era modelar. Esposo amantíssimo, pai desveladíssimo, amigo fidelíssimo, quem dele se aproximava sentia desde logo que estava diante de um ser excepcional. Dentre os melhores homens de evidência nas letras, nas ciências, na política, na magistratura, com os quais tenho convivido, só um posso comparar a Meira e Sá por esse aspecto de virtudes pessoais, Clóvis Beviláqua, a quem Euclides da Cunha, certa vez com justiça, proclamou ‘Sábio e Santo’.
A dedicação de Meira e Sá pela esposa não diminuía com o perpassar dos anos. Como que crescia e se aprimorava. Vendo-os juntos, tinha-se a impressão de que eram ainda namorados, tal a ternura com que ele se dirigia à esposa amantíssima, a quem escrevia diariamente e mandava madrigais, quando por ventura era obrigado a viajar, e a esposa não podia acompanhá-lo.
Era assim Meira e Sá na vida do lar. Vejamo-lo, porém, pelos variados aspectos pelos quais se projetou a sua personalidade na vida pública.
Desde logo cabe assinar que a grande autoridade moral de que dispunha nos meios norte-rio-grandenses fazia com que a ele recorressem para presidi-los, orientá-los, prestigiá-los quantos empreendiam qualquer coisa, uma sociedade, uma instituição, sobretudo as que beneficiassem a juventude, as que tivessem caráter educativo.
Foi assim que Meira e Sá presidiu desde a fundação o Instituto de Proteção à Infância de Natal, benemérita instituição de iniciativa do Dr. Varela Santiago que ainda hoje presta serviços sem conta à infância, sobretudo à infância desvalida do Rio Grande do Norte, como também presidiu desde a data inicial a Liga de Ensino, fundada por Henrique Castriciano em 1911, criadora e mantenedora da Escola Doméstica de Natal, a modelar escola que, única existente no gênero em nosso pais, há quase quarenta anos prepara as moças potiguares para donas de casa, para mães de família.
Mas Meira e Sá no campo das instituições humanitárias ou progressistas não se limitava a presidir aquelas de cuja criação outros tiveram a iniciativa. Também teve as suas iniciativas.
Para não citar senão alguns exemplos, lembrarei o Popular Instituto Literário, por ele criado e mantido em Ceará Mirim, com projeção em Touros, dois municípios do Rio Grande do Norte, instituto que mantinha biblioteca e ministrava aulas de francês e ainda um curso noturno para moços que trabalhassem durante o dia.
Fundou e dirigiu, ainda em Ceará-Mirim, onde residiu por longo tempo, o Colégio São Francisco de Sales, no qual se prepararam de 1884 a 1888 alguns moços que mais tarde vieram a atuar com evidência na vida pública do Rio Grande do Norte.
Ainda dando largas ao seu espírito liberal, chefiou ali a campanha abolicionista, tendo criado e dirigido a Libertadora de Ceará-Mirim, com a ajuda da qual conseguiu a libertação de muitos escravos.
Também foi um dos fundadores do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, ao qual prestou serviços inestimáveis, sendo um dos que mais pelejaram, com os seus estudos de geografia e de história e com a sua vasta cultura jurídica, pela causa do Estado na famosa questão de limites com o vizinho Estado do Ceará, questão afinal decidida em favor dos potiguares.
Pelo feitio do seu espírito voltado sempre para os problemas de ordem cultural e jurídica e pelo seu temperamento pouco expansivo, retraído e modesto, Meira e Sá jamais poderia ser um político militante, um homem de partido, a participar de comícios e pugnas eleitorais. Isso não impediu de por algum tempo alistar-se em uma agremiação política, o Partido Republicano Federal, de que no Rio Grande do Norte foi chefe incontestado, nos primórdios da República, e principal condutor da causa democrática, o Dr. Pedro Velho. E eis porque vemos Meira e Sá Deputado à primeira Constituinte Republicana no Rio Grande do Norte, em 1891, participando dos debates e levando à primeira carta constitucional do Estado a valiosa contribuição dos seus conhecimentos jurídicos.

Dr. Francisco de Sales Meira e Sá
 
Mais tarde foi Chefe de Polícia, interinamente, em 1892, e depois efetivamente de 1894 a 1895, no primeiro governo do Desembargador Ferreira Chaves. Passou então para a magistratura, a que serviu com honra e cultura, interrompendo, porém, a sua atividade judicante de 1907 a 1910, quando o Estado exigiu a sua presença no Senado, como expoente das letras jurídicas norte-rio-grandense.
No Senado Federal conquistou desde logo posição de relevo, sendo de notar o acatamento em que eram tidos os seus pareceres na Comissão de Constituição e Justiça, que desde logo lhe foi destinada, e no seio da qual teve sempre voz preponderante, o que facilmente se explica em face da sua vastíssima cultura jurídica. Cabe acentuar que Meira e Sá na alta casa do Congresso Nacional não se limitou a examinar e discutir problemas de direito. Também os problemas de direito. Também os problemas econômicos, sobretudo os condizentes com o progresso da região nordestina, de que era filho e autêntico representante, mereceram o seu estudo e os seus cuidados.
Quero referir-me aqui, e de modo muito particular, ao problema de construção de uma estrada de ferro que deveria ligar o porto de Mossoró no Rio Grande do Norte ao rio São Francisco em Pernambuco, problema a que consagrou grande parte de sua atividade legislativa, e de cuja solução, ao seu ver, adviriam as maiores vantagens ao progresso da região a percorrer pela projetada estrada. Para a objetivação do seu ideal de tornar uma realidade a sua construção, Meira e Sá em 1909 apresentou ao Senado um projeto de lei, amplamente justificado em discurso por ele então pronunciado, discurso que ele rematou com estas palavras de plena confiança no futuro do Nordeste:

“Tenho prazer de mandar à mesa este projeto, com grande número de assinaturas de ilustres Senadores, aguardando-me para na sua discussão, se preciso for, melhor esclarecê-lo e demonstrar as grandíssimas vantagens, aliás, claras, que resultarão dessa via-férrea; vantagens que não serão somente para o Rio Grande do Norte, mas também para os quatro Estados a que me referi, além de outros, e para o país; - vantagens que se prendem diretamente à solução do problema das secas, porque, para a solução desse secular e momentoso problema, além dos açudes, barragens dos rios e outros meios, é também necessária a viação férrea, para encurtar as distâncias, para tornar fácil a comunicação, de modo que possam ser vistas e amadas essas regiões, conhecidos e explorados os abundantes elementos de produção dessas plagas, de cujos terrenos disse Euclides da Cunha, nunca assas pranteado, nesse monumental livro - que é ‘Os Sertões’...
“Ao atravessá-los no estio... barbaramente este reis... ao atravessá-los no inverno - maravilhosamente exuberantes... E o sertão é um paraíso; é um pomar vastíssimo, sem dono”.
“Já vê V. Ex., Sr. Presidente, que terrenos que são maravilhosamente exuberantes, que se tornam pomar vastíssimo - uma vez não lhes faltando esse precioso elemento - a água, fácil de conseguir, corrigindo-se os defeitos topográficos da drenagem rápida e torrencial do solo. Terrenos tais, dizia, não podem ser desprezados ou esquecidos. Menos o podem ser as fortes gentes, que ali vivem e trabalham, às quais cumpre ouvir, atender e tomar na devida consideração; são coisas e povos - patrícios nossos - que estão a clamar de todos os governos providências enérgicas, decisivas, solícitas e sistemáticas, no sentido de debelar, de vez, as secas e evitar os prejuízos enormes, incalculáveis, - os desastres que elas têm causado, periodicamente, ao norte do Brasil e ao patrimônio nacional”.

Mas, a despeito de sua projeção no Senado da República, prestigiado pela estima e consideração da unanimidade dos seus colegas, e do brilho que comunicava aos debates parlamentares, Meira e Sá sentia-se como que deslocado dentro de uma assembleia política e tinha como que a nostalgia da vida de magistrado, na qual se integrara por decénios como elemento proeminente no poder judiciário do Rio Grande do Norte, onde chegara à presidência do Superior Tribunal de Justiça. Tendo ocorrido a vaga de Juiz Federal com o falecimento do Dr. Olímpio Manoel dos Santos Vital, inscreveu-se no concurso aberto perante o Supremo Tribunal Federal, que o classificou em 1° lugar por unanimidade de votos. Abandonou assim, e definitivamente, as atividades legislativas, renunciando desde então a qualquer participação nas liças partidárias, para as quais não tinha pendores e às quais não se afeiçoara o seu espírito, voltado ininterruptamente para o campo sereno do direito.
Do que foi como aplicador da lei, há uma vasta e preciosa documentação a atestar não só a sua cultura como a sua retidão, revelada amplamente nas inúmeras decisões e sentenças que lavrava nos múltiplo casos entregues ao seu julgamento, decisões e sentenças invariavelmente sancionadas pelo voto unânime do Supremo Tribunal Federal, quando a este chegavam em grau de recurso ou apelação.
Há também, confirmando o merecido e alto conceito de Meira e Sá como juiz, o depoimento uníssono de quantos advogados perante ele postularam.
De um deles, Nestor Lima, que foi Presidente do Instituto Histórico e do Instituto dos Advogados naquele Estado, e homem de severo julgamento e excelsas virtudes, há este depoimento, que bem retrata quem era o grande juiz:

“Posso dar meu testemunho sincero e imparcial de como se havia o Dr. Meira na cátedra de juiz: servi com ele, no decênio da sua magistratura na Justiça Federal, pois que, na do Estado, eu ainda não me havia habilitado para o foro. Mas, acompanhei-o fielmente nessa década triunfal, postulando e alegando perante ele, com a confiança mais completa que era possível, porque sabia que o seu veredito era expurgado de paixões e de interesses subalternos, o que não podem sentir, infelizmente, os quê hoje fazem-se de juízes, com as exceções do costume, mas, poluem a Justiça, à custa de seus arranjos e baixezas.
Meira e Sá era o tipo completo do Juiz: era a encarnação do sacerdócio judiciário, em seu maior esplendor.
Simples e singelo, honesto e bom, crédulo e confiante, como os espíritos infantis, antes de envenenados pela maldade ingênita do Homem contemporâneo; nunca, porém, ele se afastava das normas do direito, das regras da justiça, das recomendações da moral e da ética, ao proferir as suas luminosas decisões.
Contam que, muitas vezes, solicitado pelos poderosos do momento a decidir em sentido contrário ao que se lhe afigurava de justiça, mandava recados a eles para que tivessem juízo...
Quero acentuar que, no Dr. Meira, encontrei o tipo ideal do magistrado impoluto e impoluível, como é dos sagrados cânones da vida social”.

Como perfeito magistrado que o era, Meira e Sá não tinha só o conhecimento, a ciência das leis, certamente elemento, imprescindível. Possuía mais do que isso, possuía a consciência do direito, o inato sentimento de justiça, assinalado por um dos seus biógrafos, o seu genro, Desembargador Silvino Bezerra que, a propósito, narra o seguinte episódio por ele presenciado:

“Em certa noite festiva de SÃO JOÃO, encontrava-me sentado com ele no alpendre de sua casa, situada agora na Av. Olinto Meira, que era então subúrbio de Natal, quando o octogenário vizinho procurou-o acompanhado de um funcionário da Intendência Municipal, que o intimara a acabar com a fogueira que queimava, adiantando que o velhinho pagaria uma multa, pois devia saber que A REPÚBLICA havia publicado um edital, proibindo as tradicionais fogueiras. O Dr. Meira, ouvindo o funcionário, ponderou que a regra, de origem romana, de que a ninguém é dado ignorar o direito, “nemo jus ignorare censetur”, nunca fora tomada sem as devidas exceções, principalmente dos rústicos, de modo que não deveria assombrar o ancião e muito menos multá-lo, o que seria até uma crueldade, tratando-se de um macróbio pobre e analfabeto, que não lia jornal e queria divertir-se e divertir a família com os fogos, os batizados, as promessas e a saborosa canjica de SÃO JOÃO, Adiantou que era juiz federal, assinava o ‘Diário Oficial’ e, apesar de pagar a assinatura, não o recebia, podendo pois, até ele, juiz, deixar de conhecer certas leis publicadas. Foi atendido e o velho queimou a fogueira até o fim. Lembro-me de ter sido a única vez que o vi irritado, em frente à aflição de um humilde e como que transformado de juiz em advogado”.

Não quero encerrar estas linhas sem acentuar que inúmeros foram os trabalhos jurídicos da mais alta valia que Meira e Sá publicou, versando os temas mais variados, em jornais, em revistas, em folhetos, em livros, tendo também tomado parte como figura de plano superior em Congressos e Conferências nacionais, em que os magnos problemas de direito eram abordado.
Ainda hoje são apontados e citados os seus estudos sobre a Reforma da Justiça Federal e o Recurso Extraordinário, assuntos amplamente debatidos aos tempos da chamada Primeira República.
Por fim, e como remate, referirei o que me foi narrado há alguns anos pelo ilustre jurisconsulto, Professor Sá Viana, participante, como o magistrado potiguar, do Primeiro Congresso Jurídico Americano reunido no Rio de Janeiro.
Dizia-me o Professor Sá Viana, para pôr em relevo os altos méritos do jurista Meira e Sá, que este chegara ao Rio para participar do Congresso como representante do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que então presidia, e apresentara-se como realmente era do seu feitio, modesto, retraído, não se aproximando nos primeiros momentos das sumidades jurídicas do país, estão reunidas.
A primeira tese do questionário a debater referia-se a esta importante questão de direito público: se a soberania, no regime federativo, residia exclusivamente na União ou se cabia, ao mesmo tempo, à União e aos Estados.
Dois membros do Congresso escreveram memórias a respeito. Um deles, o Dr. João Monteiro, figura consagrada, diretor da Faculdade de Direito de São Paulo, mestre dos mais eminentes, orador dos mais notáveis, e o outro, o modesto, o retraído representante do Rio Grande do Norte, Meira e Sá.
Versando a mesma questão, chegavam os dois a conclusões inteiramente diversas.
O primeiro a falar foi o Professor João Monteiro que sustentou o princípio de que, no regime federativo, a soberania tanto reside na União, como nos Estados. A seguir levantou-se Meira e Sá, dizia-me Sá Viana, que até então não o conhecia, levantou-se, tímida e modestamente, e começou a falar sustentando tese oposta.
Pouco a pouco Sá Viana, secretário geral do Congresso, observou que os congressistas se levantavam um a um e procuravam cercar o representante do pequeno Estado do Norte, para ouvi-lo com atenção. E com tal brilho se conduziu Meira e Sá, com tanta precisão soube responder aos pontos de vista do professor paulista, que o Congresso coroou as suas palavras finais com significativa salva de palmas. Desde esse momento o magistrado potiguar passou a ser uma das figuras dominantes no Congresso Jurídico Americano.
Era gente da melhor categoria, como é o caso de Meira e Sá, a que o Rio Grande do Norte costumava mandar para o Congresso Nacional enquanto perdurou a chamada Primeira-República.

 

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Publicando na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volume LV (1962-1963). Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 1965, págs. 33-42.
 

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